quinta-feira, 19 de junho de 2014

TIQUE-TAQUE DOS VELHOS TEMPOS



Maria Antônia Teixeira da Costa
Prof.maria.antonia@hotmail.com


Hoje acordei olhando para o relógio, aliás, não olhei, ele me avisou, “são seis e meia” da manhã. Olho pelas frestas da janela do meu quarto e é uma manhã ensolarada de outubro de 2009. Essas são coisas dos tempos mais que modernos, pois durante os anos de 1960, em Touros-RN, e na maioria das cidades brasileiras, o tempo não era medido assim. Não tínhamos os relógios sofisticados que temos hoje, nem energia elétrica, nem televisão, nem telefone nas residências, nem iphone, nem smartphone, nem internet. Éramos crianças: brincávamos de roda, corríamos na rua, tomávamos banhos nas biqueiras em tempo de chuva, subíamos em árvores,  éramos felizes.

A praia de Touros, a cidade de Touros era um imenso coqueiral a cantar com o vento a bater em suas palhas. Era uma praieira de pescadores, praieira de amores. Dormíamos com as portas abertas se assim o desejássemos e tudo continuava no outro dia com o badalar dos sinos e da Ave-Maria.

Nas manhãs de sol, os seus raios fulgurosos alardeavam  luzes ao coqueiral e as águas do mar cintilavam  como pérolas a brilharem fora de suas conchas.

Acordávamos,  cinco horas da manhã, como muitas cinco horas em nossas infâncias. Não tão distante de nós os galos cantavam e entoavam cantos que repassavam aos outros galos. Como diz o poeta João Cabral de Melo Neto, “um galo sozinho não tece uma manhã ele precisará de outros galos para lançar o seu grito mais além”.  E assim os galos anunciavam o amanhecer do dia.

Ao caminharmos para a beira da praia olhávamos os passarinhos, especialmente os pardais tomando banho de areia e sol. Dizíamos bom dia aos amigos de papai. Algumas vezes ele pedia para eu recitar alguma poesia infantil e seguíamos adiante. Assistíamos ao espetáculo do sol nascendo, muitas vezes sentados em cima do Tourinho (grande pedra em formato de touro) e mais um pouco lá da praia ouvíamos o sino da Igreja matriz, Bom Jesus dos Navegantes, badalar e a Ave Maria era entoada, seis horas da manhã.  

A radiola da igreja tocava a Ave-Maria e todos sabiam que o dia amanhecia,. Era hora de voltar para casa, tomar café e ir para o Grupo Escolar General Antônio Florêncio do Lago onde estudávamos o primário.

Hoje, essas cenas são presentes em nossas memórias e a menina ainda teima em existir em nossos sonhos, saudades de papai. Essas lembranças são marcantes em nosso viver. É claro, o tempo não para, crescemos, somos adultos, eu e meus irmãos, somos felizes.

Sempre que retornamos à cidade de Touros, vamos apreciar o nascer do sol naquele mesmo lugar que não é o mesmo lugar, nem nós somos os mesmos, como diz Heráclito de Éfeso, um dos primeiros filósofos da humanidade, há mais de 2.500 anos atrás: “Tu não podes tomar banho duas vezes no mesmo rio, pois aquelas águas já terão passado e também tu já não serás mais o mesmo”. Ou seja, tu não podes ir duas vezes ao mesmo lugar, o lugar não é o mesmo, nem somos os mesmos.

É o tempo! O que é o tempo? Como medir o tempo? São as nossas memórias. O tempo existe no espírito humano e é nele que encontramos, o presente, o passado e o futuro.  Já não medimos o tempo como no passado, mas o medimos o tempo todo, convivemos com ele o tempo todo. Isso é o que nos afirma Santo Agostinho em sua obra: “Confissões”. Refletindo sobre essas memórias e olhando o relógio do tempo, constatamos que ele teima em bater tique-taque, tique-taque, tique-taque.





domingo, 8 de junho de 2014

AS TRADICIONAIS BANDEIRINHAS DE TOUROS/RN





Maria Antônia Teixeira da Costa
Email: prof.maria.antonia@hotmail.com

As festas joaninas, popularmente chamadas juninas, para alguns historiadores tem este nome em homenagem a São João Batista, primo de Jesus e filho de Isabel e Zacarias. João, foi aquele que pregou a vinda de Jesus, é conhecido também como o “batizador”, pois batizou muitos judeus no Rio Jordão, especialmente, Jesus. É provável que essas festas tenham sido trazidas para o Brasil pelos portugueses durante o período colonial.
Em Touros, na década de 1970, elas alegravam todo o mês de junho com as fogueiras, com os balões, os fogos de artifícios, as quadrilhas, a capelinha-de-melão e as bandeirinhas. Nas noites alusivas aos santos: Santo Antônio, 13/06; São João, 24/06 e São Pedro, 29/06; a cidade se enchia de fogueiras. As famílias se preparavam com antecedência preparando a madeira para fazerem as fogueiras. Os meninos soltavam fogos de artifícios: estrelinhas, traques, cobrinha, chumbinho, entre outros.
Com um bom inverno, uma boa colheita a comida era farta à mesa das famílias. As comidas típicas feitas de milho: pamonha, canjica, bolo de milho, cuscuz, milho assado, milho cozido, os quais eram servidos à mesa do jantar, do café da manhã, bem como vendidas nas festas realizadas pelo Grupo Escolar Cel. Antônio do Lago e pelo Ginásio Comercial de Touros.
Em minhas lembranças revejo as quadrilhas organizadas pelos professores do Grupo Escolar General Antônio do Lago e pelos professores do antigo Ginásio Comercial de Touros (hoje chamado Escola Municipal Dr. Orlando Flávio Junqueira). Lembro de uma quadrilha marcada pelo prof. Dr Orlando Flávio Junqueira Ayres, toda em Frances, ou seja, ele falava em francês os passos da quadrilha:
Dentre as festividades que permanecem no mês de Junho em Touros, temos as bandeirinhas. O professor e folclorista, Deífilo Gurgel, nos afirmou que as bandeirinhas só existem na cidade de Touros. Podemos dizer que as bandeirinhas são bem antigas, o escritor Nilson Patriota enfatiza que elas surgiram há mais de um século e se consolidaram por volta de 1910, sob a direção de Joana Pacheco. Nos anos vinte, cita Nilson Patriota, Joana Pacheco passou a Francisca Conduru (Minha tia-avó ) à responsabilidade de conduzir a função. A Presidente seguinte foi Geracina Alsina do Nascimento, que em seguida entrega o estandarte a Josefa Odete de Melo, conhecida por Dona Finha.
Os preparativos das bandeirinhas começam antes do dia de São João. As mulheres participantes dos festejos, se reuniam na casa de Dona Finha, discutiam a cota que cada mulher deveria contribuir, sobre a preparação das comidas, das bebidas, como a meladinha que era mel de abelha, misturado com cana e suco de alguma fruta disponível, maracujá, umbu, limão. Às vezes, quando o dinheiro dava, era servido o vinho tinto. 

Foto das Bandeirinhas em Touros-RN. Copiada do site Palavras na Rede.


 No dia 23 de junho, por volta das sete da noite, às mulheres começavam a chegar à casa da organizadora principal, relata Dona Finha, e a festa inicia com as mulheres dançando umas com as outras, ao som da Sanfona, tocada pelo único homem que participava da festa. Homens não participavam das bandeirinhas até o final dos anos de 1970 e parece-me que até hoje. Elas ficavam dançando até a meia-noite quando saíam às ruas cantando em louvor a São João Batista. Durante o trajeto são cantados esses versos abaixo, que foram ditados por Dona Finha e eu os gravei e transcrevi. Esta música é cantada durante o trajeto das bandeiras nas principais ruas da cidade de Touros.
Que bandeira é essa que vamos levar/ É a de São João para festejar (repete)
Segure a bandeira, não deixem cair/Senhor São João, nos é de acudir (repete)
Viva São João, viva são José/ viemos adorar, o filho de Izabel
Filho de Izabel, e de São Zacarias/primo de Jesus, sobrinho de Maria
Sobrinho de Maria, batizado no Jordão, por ser primo de Deus, chamou-se João
Que luz mais brilhante, tão resplandecente/cantemos na glória com São João na frente.
Após o trajeto nas ruas principais de Touros com a porta estandarte carregando a Bandeira de São João que era de cor azul com seu desenho no centro feito com aplicações e arremates, trabalho artesanal, feito a mão, as mulheres cantando e soltando fogos se dirigiam ao Rio Maceió para o tradicional banho coletivo. Quanto ao banho das mulheres no rio, no dia de São João, dizem alguns historiadores que teve origem no costume português do banho-de-rio obrigatório no dia do santo precursor em que emergiam o corpo na água, murmurando orações e fazendo pedidos ao santo.
As mulheres, cita Nilson Patriota, ao chegarem ao rio livram-se de suas roupas festivas e se atiram nas águas do rio Maceió. Elas cantavam a seguinte cantiga, quando iam entrando no Rio Maceió para o banho. Esta letra abaixo foi cantada por D. Finha em 1985, quando estive levantando a história das bandeirinhas, gravei e transcrevi:
São João foi tomar banho/ com vinte e cinco donzelas/
As donzelas caíram nágua e São João caiu com elas/
Maria chama Izabel/para acordar São João
Para soltar as bandeirinhas/ no Rio Jordão
Acordai, acordai João
São João está dormindo/ não acorda não.
As bandeirinhas são encerradas, as mulheres voltam em grupo para suas casas e aguarda-se mais um ano para novos preparativos. Conversei com Dona Finha em 1985 quando ela falou-me sobre as bandeirinhas. Hoje, 2009, não tenho conhecimento quem organiza as bandeirinhas, pois há um bom tempo não participo dos festejos juninos em Touros. O São João não é mais o mesmo, não soltam mais balões (é proibido), mas as bandeirinhas continuam. Viva São João!