Ao concluir seu curso de Auxiliar de Enfermagem na Escola de Auxiliares de Enfermagem de Natal, Maria do Céu Teixeira da Costa (mamãe) voltou para
Touros em 1958 começou a exercer sua profissão atendendo de casa em casa, quando
era chamada. Conforme ela nos narra, ela era a única pessoa da cidade que tinha
estudo na área da saúde.
Hospital Miguel Couto (em 1960 o Hospital recebe o nome de Hospital das Clínicas. Hoje o Hospital é chamado de Hospital Onofre Lopes), em Natal, local aonde Maria do Céu Teixeira da Costa realizou o Curso de Auxiliar de Enfermagem no anos 1957-1958
Na cidade não havia um único posto de saúde, não havia
maternidade, as mulheres pariam em suas casas com a ajuda de parteiras
conhecidas como curiosas. Mãe Brás e Dona Inez eram mulheres que ajudavam as
mães a darem a luz. Não havia na cidade luz elétrica e o maior nível de ensino
era o primário realizado no Grupo Escolar Cel. Antônio do Lago.
Ao realizar o primeiro parto, Maria do Céu
não tinha nem vinte anos completos. Foi o parto do menino que ficou conhecido
por “Seu Branco”, filho de Dona Maria. A mãe de dona Maria comentou: “E essa
menina sabe fazer alguma coisa?”.
Depois do primeiro parto, seguiram-se outros,
cada um com suas peculiaridades: partos fáceis, difíceis, de cócoras,
espontâneos, partos que as crianças nasciam com a expulsão inicial dos pés.
Partos de mulheres simples, mulheres sofisticadas, mulheres de todos os tipos.
Conforme mamãe nos contou, atendia da mesma forma quem podia pagar e quem não
podia. Quando a família era simples ela dizia: “me dê o que puder. E me davam
galinha, ovos, peixe e outras coisas mais”.
Nos anos de 1950, ser dona de casa era o
“destino natural das mulheres”. Elas tinham que ser femininas, recatadas,
comportadas para não serem consideradas levianas. Não vestiam calça comprida,
nem usavam biquíni. No tempo em que o papel da mulher restringia-se a cuidar
dos filhos, do marido e do lar, mamãe saía a cavalo, de burro, de bicicleta, a
pé, de carro, para os lugares mais longínquos para realizar os partos. Ela saía
pelo meio do mundo e nos afirmou: “Eu me sentia feliz e realizada. A coisa mais
linda do mundo é ver uma criança nascer”.
Foto do Guia da Cidade do Natal 1ª Edição. Organizado por J.A. Negromonte e E. Etelvino Vera Cruz com a colaboração de Fernando R. da Silva, Natal, 1958.
Mamãe casou-se em 1959 e logo teve a primeira
filha. Em 1960, teve a segunda filha. Eu sou a terceira. Naquele tempo era
assim: as mulheres não podiam evitar filhos, pois os preceitos religiosos não
permitiam e nessa época eles eram muito fortes, além disso, os
anticoncepcionais eram raros. Assim, mamãe, uma mulher instruída, teve dez
filhos. O seu casamento não impossibilitou a sua permanência como parteira,
pois meu pai sempre foi um homem à frente de seu tempo.
Durante cinco anos ela andou pelos municípios
realizando partos. Não tinha hora de almoço, jantar ou café. Ela deixava tudo e
seguia em frente. Ela era chamada para costurar ferimentos, e olhe que eram ferimentos grandes, aplicar injeções, e
todas as necessidades relacionadas à saúde.
Quando precisava viajar a cavalo, vestia uma
saia grande e uma calça de papai por baixo, lembrou-me a minha irmã, Maria
Alécia. Levava em sua pequena maleta: pinças, injeções, cordão para amarrar o
umbigo e muita garra coragem e fé no coração.
Em 1962, dona Genésia de Avelino doou um terreno grande para ser a maternidade e Padre Rui da Paróquia de Ceará Mirim, a
construiu. Quando mamãe começou a trabalhar na maternidade eu tinha 15 dias de
nascida. As suas ajudantes eram: Maria Aparecida da Costa, sua irmã de criação
e Antônia da Costa, a minha tia, irmã de papai. A maternidade tinha oito leitos
e o material que contava era: Pituitina, Vitamina K, para hemorragia, gaze e
algodão, além de instrumentos como pinças.
A maternidade de Touros funcionava da seguinte forma
quanto à alimentação das pacientes: havia um grupo de pessoas da comunidade,
aquelas que tinham mais condições econômicas, que davam a alimentação das mulheres. Quando a
mulher chegava à Maternidade, a família responsável (uma família adotava aquela
mulher quer estava para dar a luz) era comunicada e se encarregava da
alimentação até a mulher ser liberada. Era levado o café da manhã, o lanche, o
almoço, o lanche da tarde e a ceia. Entre os colaboradores foram lembrados:
Severino Grilo, Dona Maura (esposa à época de Joaquim Gomes), Doninha, seu
Enéas. Mamãe e suas ajudantes permaneceram na Maternidade durante dois anos
1962-1963.
Após sua saída da Maternidade, mamãe
continuou atendendo mulheres em suas residências. Porém, agora de maneira
esporádica. Assumiu o magistério primário como professora, profissão na qual se
aposentou. Muitas das experiências por ela relatadas ficarão guardadas em minha
memória.
Ela ajudou dezenas de mulheres a darem à luz.
E me questionei: O que fez uma jovem de dezoito anos sair do seio da sua
família para estudar internada em outra cidade? Perguntei a mamãe! Ela me respondeu:
“antigamente, quando eu era pequena, eu ouvia muito falar: fulana morreu de
parto... beltrana morreu de parto. Penso que isso me influenciou”.
Gostaríamos de lembrar que Maria do Céu
Teixeira da Costa foi uma das fundadoras da primeira Maternidade da cidade de
Touros, sendo também sua primeira diretora, além de ser a primeira mulher
nascida no município a fazer parte da primeira turma de Auxiliares de
Enfermagem do Hospital do Hospital Miguel Couto. O principal curso
da área de saúde que existia em Natal/RN, depois do Curso de Medicina no referido período.
Com essa história, espero contribuir para que
ao ouvirmos alguém falar: “Maria deu a luz”, lembremos de mulheres parecidas
com Maria do Céu, as quais superando os preconceitos de uma época, voaram mais
alto em busca de sua realização como pessoa e profissional, contribuindo para a
diminuição de mortes de parturientes. Assim, não podemos também esquecer das
palavras divinas: “E disse Deus: haja luz. E houve luz”.